Indígenas de RR mantêm tradição na produção artesanal de farinha e vendem até para a Guiana
25/05/2025
(Foto: Reprodução) Famílias que vivem na comunidade Cumaru produzem farinha de mandioca para o consumo próprio e para o sustento. Assunto foi destaque no Amazônia Agro deste domingo (25). Produção artesanal de farinha na comunidade Cumaru, Terra Indígena Manoá Pium, na região Serra da Lua, em Bonfim, em Roraima
Carlos Barroco/Amazônia Agro/Rede Amazônica
Na Terra Indígena Manoá Pium, na região Serra da Lua, em Bonfim, ao Norte de Roraima, a produção artesanal de farinha movimenta a economia local e preserva a tradição da comunidade indígena Cumaru. Com cerca de 360 moradores, a maioria do povo Macuxi, a atividade faz parte da rotina de praticamente todas as famílias.
O assunto foi destaque no programa Amazônia Agro deste domingo (25), exibido na Rede Amazônica.
Curiosidade 👉 A farinha produzida em Cumaru é a farinha amarela, que tem uma textura mais grossa, crocante e granulada, diferente da farinha fina usada, por exemplo, no Sul e Sudeste do país. Geralmente, é consumida como acompanhamento de pratos à base de peixe e carnes. Também serve de base para preparos tradicionais, como a paçoca de carne seca.
Além disso, a produção na comunidade não é apenas para consumo próprio das famílias. Parte da produção é vendida na sede de Bonfim e também exportada para a Guiana, país que faz fronteira com o Brasil na mesma região, segundo o primeiro tuxaua de Cumaru, Valdiney Souza.
Semanalmente, a comunidade comercializa, em média, 10 sacas de farinha para a Guiana. Cada saca tem o equivalente a quatro latas de 20 litros. Cada lata é vendida por R$ 200, o que representa um faturamento de R$ 800 por saca. No total, a venda gera aproximadamente R$ 8 mil por semana para a comunidade.
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"Alguns vem de lá [Guiana] para cá fazer a compra. O pessoal vem de lá comprar e muitas vezes encomenda e o pessoal daqui leva para vender lá [na Guiana]. Nem todos tem roça, tem a mandioca para fazer farinha. Mas, assim mesmo fazemos, vendemos e ajudamos, damos colaboração para algumas famílias também internamente", explicou.
A farinha produzida artesanalmente em Cumaru alcança também outros municípios de Roraima. O objetivo dos indígenas é criar uma marca e profissionalizar a venda, mas sem perder a essência e tradição.
"Temos este pensamento de ver essas marcas, de buscar parcerias com outras organizações, na parte da nossa agricultura familiar. É dessa forma que vivemos na nossa comunidade indígena aqui", reforçou Valdiney.
Trabalho coletivo no dia a dia
Em Cumaru, o trabalho na roça começa cedo, ainda nas primeiras horas do dia. É lá que o segundo tuxaua da comunidade, Valdemar Laurentino, segue diariamente, acompanhado de outros moradores, para colher a matéria-prima da farinha amarela: a mandioca.
Plantio de mandioca para produção de farinha
Carlos Barroco/Amazônia Agro/Rede Amazônica
"É o dia a dia das pessoas: trabalhar na roça, arrancando, cultivando a mandioca pra fazer a farinha", resume a liderança.
No cultivo, a tradição é cortar o caule da mandioca, chamada de maniva pelos indígenas, para que possa ser aproveitada no plantio de roças na própria comunidade. O trabalho é manual e segue os ensinamentos acestrais passados de geração em geração.
O adolescente Rivanderson Aniceto, de 13 anos, filho mais velho do tuxaua Valdemar, acompanha o pai na colheita desde pequeno.
"Ele pede para cortar, limpar a mandioca, colocar dentro do saco, carregar. Minha família... todos ajudam. É uma tradição. Meu pai me explica que o pai dele também explicou a ele. É tradição", disse o garoto.
Valdemar explica que além de ser fonte de renda, o trabalho de plantio e colheita da mandioca para fazer farinha é também uma forma de ensinar os mais jovens sobre a importância do trabalho indígena no campo e de se manter a tradição do povo Macuxi.
“Eu, como tuxaua, dou o exemplo para o meu filho. Sempre a gente vai para roça arrancar mandioca. Às vezes vai roçar, às vezes, capinar. Quando o manival tá limpo, temos o ensinamento dos nossos jovens. É nossa cultura. Vai passando de pai pra filho. Nós, como povos indígenas, vamos passando para o filho”, explicou.
Barracão da farinha tradicional
Colheita de mandioca para fazer farinha na Terra Indígena Manoá Pium, em Roraima
Carlos Barroco/Amazônia Agro/Rede Amazônica
Depois de colher as raízes de mandioca, os moradores levam até o barracão da comunidade, onde a farinha é produzida. O espaço tem uma estrutura tradicional: telhado de palha, panelões para a torra e equipamentos feitos de madeira, montados pelos próprios indígenas.
Nessa etapa, toda a comunidade se envolve. As mandiocas são descascadas, raspadas, prensadas e, depois, a massa seca vai para a torra, onde se transforma na farinha.
Dona Luzia Trindade, de 80 anos, trabalha na raspagem. Ela aprendeu a técnica com o pais quando ainda era criança. "Desde os 7 anos trabalho com mandioca", conta. Ela já não faz mais os trabalhos mais pesados, mas conhece todos os segredos de como deixar a mandioca no ponto certo.
"É muito trabalho a gente tirar essa mandioca", explicou. Durante o processo para fazer a farinha, também é extraído o tucupi, um líquido amarelo usado tanto na culinária como na medicina tradicional.
"Tanto serve para remédio, como para alimento. Tem pessoas que usam no frango, temperam o frango para assar, na carne, também", explica Isaac Aniceto, morador da comunidade.
O processo de produção da farinha ultrapassou gerações na comunidade. Desde a raspagem, a peneira, a prensa até a torra, tudo é feito de forma artesanal. Além de manter a tradição, a atividade é atualmente a principal fonte de renda das famílias da região.
Apoio técnico do Sebrae
O trabalho dos indígenas da comunidade Cumaru recebe apoio técnico do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), por meio do projeto de agricultura familiar, que oferece consultoria e orientação de mercado para pequenos produtores, como os indígenas da região.
"O acompanhamento é para que eles tenham uma maior produtividade e que os produtos deles tenham uma qualidade melhor. Então, com um profissional acompanhando eles através dos projetos, faz com que tenham maior sucesso", avalia o gestor do projeto da agricultura familiar do Sebrae, Helmes Dias.
O projeto de agricultura familiar do Sebrae oferece consultoria técnica para ajudar na profissionalização e formalização dos produtores rurais. Atualmente, atende cerca de 120 produtores em diferentes municípios de Roraima.
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